sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Metamorfose

«Do norte vem luz dourada;
Deus vem em temível majestade.»

- Jó 37:22



Chegaste no meio
da densa tempestade iluminaste o sentimento
Motivaste a cultura do espírito indiviso
solidificado na certeza da Tua liberdade

Falaste do meio
das profusas trevas produziste revelação
Acalmaste a aflição da dúvida constante
pela eterna certeza da Tua interrogação

Declaraste o meio
o processo de libertação do medo da Queda
do permanente dualismo contraditório
pela lei do Espírito e da Tua Vida

Concluíste o processo
encetado sobre o único receio que Te pode servir
o fundamento de um coração que tem pavor
de pecar contra Ti

Trouxeste, afinal, o epílogo
à dor da eterna contradição mortal
pela demonstração da Tua sabedoria
Promessa segura ao temor que te devem

4 comentários:

rui miguel duarte disse...

Olá, Rute
Belissíma tratamento da obra da redenção, a partir do mote de Job. Fala das obras de Deus, quase em prosa descritiva. A ênfase no entanto é nas acções de: cada estrofe principia com um verbo.
Beijinhos e cumprimentos de amizade

Rute J. disse...

Trata, sobretudo, da redenção do medo que funda normalmente o eterno e subconsciente apego à humana contradição moral ligada aos conceitos "bem"/ "mal", "certo"/ "errado" e a outros semelhantes. A acção divina, ainda que debruçada sobre o único tipo de temor que lhe pode servir de matéria-prima - o do coração que se lhe sujeita voluntariamente, traz, afinal, consigo a libertação da tal contradição moral, pela vida constante no Espírito (o temor a Deus é aqui o princípio da verdadeira sabedoria, mas não o seu fim ulterior).

Sip of Glory disse...

Hoje em dia existem muitas doutrinas pretensamente bíblicas que se baseiam no Velho Testamento que como todos sabemos foi escrito em determinados contextos revelacionais, culturais e históricos que nada têm a ver com a actual revelação divina. Poderíamos dissertar sobre isso e certamente mostrar que Deus ainda não deixou de se revelar. O canôn bíblico actual foi escolhido pelos poderosos que pretenderam estabelecer uma religião dominante na Europa pré-medieval. Não quero dizer com isto que a Bíblia não seja Palavra de Deus. Certamente que o é! Deve ser contudo entendida conforme os contextos e tendo em conta os "objectivos" para os quais foi escrita (melhor dizendo transmitida). Temos seguramente bastantes exemplos de pessoas que "enfrentaram" o Senhor e que saíram vitoriosos desse confronto. O conhecimento do "Bem" e do "Mal" são resultado da Queda a qual provocou o "temor" de Deus. Adão e Eva se esconderam de Deus depois do Pecado Original, o que foi uma atitude de Temor. Contudo atrevo-me a dizer que Deus não quer de nós a mesma atitude. "Se pecarmos Ele é fiel e justo para nos perdoar de todo o pecado e nos purificar de toda a injustiça..."
"No amor não existe medo; antes, o verdadeiro amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor" (1 João 4:18).

Um bem haja

Rute J. disse...

“Metamorfose” não versa sobre a questão essencial do medo humano resultante da Queda. Tão-pouco se emprega a palavra "temor" no sentido clássico e mais restritivo. Versa, antes, sobre a transição desse estado original fundado na contradição Bem/Mal, que separa inevitavelmente o Homem da intimidade com Deus, fazendo com que acabe preso em algum esconderijo, em qualquer canto do jardim, para o estado do conhecimento, experiência e vivência consistentes da liberdade que o próprio Deus opera por meio da intimidade revelacional e relacional que cada ser humano pode, a cada momento da respectiva existência, escolher com Ele manter.

O temor do Senhor surge, assim, como uma espécie de matéria-prima, susceptível de ser trabalhada pelo Supremo Oleiro, segundo aquilo que melhor Lhe parecer.
Sou eu que me atrevo a dizer agora que, a existir alguma espécie de temor que possa servir algum propósito de Deus, será deste tipo, já que a graça opera por meio de modalidades tão diversificadas, que se podem aqui e ali tornar difíceis de entender (o modo como Deus pode usar alguma espécie de temor para se aproximar de alguém pode parecer, de facto, invulgar).

"Temor" assume aqui o sentido de fantástica admiração que une o Homem a Deus, não de medo que o repele para longe de Si, eterna e conformadamente incapacitado pela sua frágil condição.(Os anglo-saxónicos recorrerão a expressões equivalentes porventura mais felizes - "awe", "to be in awe of what someone is doing").

É tratado como princípio da operação da sabedoria divina e não como fim (telos) da mesma.
O jogo das expressões medo-receio-pavor-temor, juntamente com a polissemia dos respectivos significados, acaba por reforçar essa ideia, contrariando uma leitura porventura mais óbvia, intempestiva, simplista e redutora.
Permita-se-me, pois, a liberdade de voar através da polissemia de certas palavras, de encontrar talvez sentidos invisíveis por detrás da aparente obviedade de outras, de pintar quadros evocando símbolos e alegorias antigos, de permitir que outros respirem nos meus silêncios e ausências, uma vez que para constrangimentos e peias na vida, já basta o resto…

Se é certo que a revelação divina é espacio-temporalmente progressiva, não é menos correcto afirmar que nela existem elementos cíclicos historicamente repetíveis. O Antigo Testamento, não sendo campo muito fértil para qualquer pretensa sementeira doutrinária, continua, no entanto, a transmitir aspectos interessantes acerca das naturezas divina e humana que sempre inspirarão o tratamento sensível de determinadas temáticas e a "pintura" de muitos "quadros" diferentes.