terça-feira, 19 de agosto de 2008

Árvores - Parte II

Havia um rei na grande e antiga Babilónia, lugar de confusão de línguas e linguagens espirituais, que se tornou o epítome da alegoria das árvores.


A árvore cresceu tanto, que a copa se encostou ao céu, tornando-se visível até aos limites da Terra. Possuía bela folhagem, abundância de frutos bons, que podiam alimentar a todos suficientemente. Debaixo dela, havia abrigo para os animais do campo e as aves habitavam em seus ramos. Todas as criaturas se alimentavam dela.

O seu propósito existencial fora cumprido, qual vida encostada ao Deus vivo, verdadeiro, cuja plenitude é nela espelhada, passando a ser testemunhável por toda a gente, até aos confins da respectiva esfera de influência pessoal e ministerial. Essa pessoa transformara-se, assim, em alguém que cumpria uma visão, executava um mandato específico em nome do que a enviara, consumava uma era, tendo poder para curar feridas espirituais, emocionais e físicas, da mesma sorte que as folhas das árvores que permanecerem junto às águas hão-de servir de remédio que alimente a saúde de muitas nações.
Os frutos visíveis nessa vida eram realmente bons, próprios para consumo, apetecíveis, já que traziam verdadeiro e permanente sustento ao faminto e renovação de forças ao cansado e abatido. O seu "pão" era jogado sobre muitas "águas", não se negando intencionalmente a ninguém. Sob a sua copa, abrigavam-se todos quantos necessitavam da segurança e da sombra por ela providas, de maneira que conseguiam resistir ao forte sopro da tempestade, aos ventos sazonais contrários, assim como aos duros golpes de um sol implacavelmente escaldante, num longo dia de trabalho no campo.

A jornada tornara-se, pois, muitíssimo mais agradável consigo por perto.

Tanto homens, como anjos interagiam com aquele ser, em perfeita simbiose. Os primeiros, abrigando-se e nele encontrando abrigo verdadeiro. Os últimos, trazendo pronta ministração em seu favor, quais serviçais esvoaçantes, que atendem ao suprimento das necessidades dos seus senhores.
Igualmente, toda a casta espiritual adversa lhe estava sujeita, uma vez que executava justiça e exercia autoridade com verdadeira legitimidade, em nome de quem o enviara.


Então se fez ouvir o veredicto. No dia em que andava passeando descansado, satisfeito e próspero no seu palácio, inteiramente absorto na mediocridade dos seus próprios projectos, soou, no alto, a sentinela:

«Derrubem a árvore. Cortem-lhe os ramos. Arranquem-lhe as folhas. Espalhem os seus frutos.

Fujam os animais de debaixo dela e as aves dos seus galhos.

Deixem, porém, o remanescente do tronco com as raízes, agrilhoados com ferro e bronze, no chão, no meio da relva, da qual se alimentará juntamente com os animais, sendo coberto pelo refrescante orvalho celeste. Retirem-lhe o entendimento humano e deixem que se comporte como as bestas da terra até que o ciclo do tempo perfeito se complete, como está determinado a seu respeito.

Assim, se saberá a Quem pertence verdadeiramente o domínio, a autoridade e a glória e que os concede a quem designa, ao mais simples dos homens.»


Deixou que o engano o iludisse. Convenceu-se de que tudo quanto de grandioso lhe sucedera até àquele momento, derivara da sua capacidade e mérito pessoais. E achou que a finalidade de tudo aquilo era o seu próprio engrandecimento individual. Errou quanto ao meio e ao fim. Não quanto ao princípio. Não quanto às raízes, que estavam agora aprisionadas sob correntes humanamente inquebráveis, mas cuja existência representava, talvez, a possibilidade de um novo começo.

Acreditou à boa e estulta maneira de qualquer imbecil maldito, que toda a arquitectura da grande cidade em que habitava tinha sido planeada e edificada por sua própria mão, para sua glória individual.

Poderá haver satisfação mais mesquinha, cega e limitada do que a de não buscar um propósito maior, que nos transcenda a todos?


Tudo quanto fora determinado a seu respeito integralmente se cumpriu.

A mente humana foi-lhe tirada, tendo sido substituída por uma semelhante à dos que nada de realmente importante conseguem discernir. Consentânea, de resto, com a respectiva estultícia. Foi expulso de entre os que detinham autoridade e a quem se imputava a responsabilidade da governação do mundo. Passou a alimentar-se de manjar idêntico ao dos que servem sem discernimento algum. Contudo, seu corpo exposto às vulgares intempéries, era, ao mesmo tempo, banhado pelo orvalho celeste, enquanto seus pêlos e cabelos cresciam lenta e progressivamente, imperceptíveis, até que se tornaram protectoras penas de águia e suas unhas, aguçadas garras de ave.

Findo aquele interlúdio, ergueu os olhos para o Céu. Imediatamente, se apercebeu de que o seu entendimento voltara.
Então, louvou Aquele que lho tinha tomado para voltar a dar-lho.
Cobriu-O com a honra e deu-Lhe a glória que Lhe pertencia.
Compreendeu, finalmente, que Ele vive para sempre, que o Seu domínio é eterno, o Seu reino multigeracional, nada representando os povos da Terra diante de Si. Que age conforme Lhe parece bem para com o mundo espiritual, assim como para com o natural e não há quem Lhe possa resistir ou inteligentemente perguntar "Por que agiste desta forma?"

Miraculosa e inesperadamente, o rei recuperou o entendimento juntamente com a honra e majestade reais de que havia sido despido, bem como a glória do reino de que tinha sido destituído. Seus conselheiros e nobres procuraram-no. Reinvestiram-no no Trono e proporcionaram-lhe ainda maior e mais elevado estatuto do que o anterior.

«Agora eu louvo, exalto e glorifico o Rei dos Céus, porque tudo o que faz é correcto e todos os Seus caminhos são justos. Ele tem poder para humilhar os que vivem com arrogância.»


Até aqui a meditação da Árvore das árvores.
Quem, no meio da floresta, tiver ouvidos para ouvir, ouça.

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